A oportunidade no futebol demorou para surgir na vida de Leandro Damião. No entanto, o trabalho duro e a vontade de jogar não compensavam. Dezessete anos e nenhuma oportunidade. Em meio às frustrações, Damião já começava a ter planos fora de campo.
- Olha, quando eu estava na várzea, era só por diversão, só jogava no fim de semana. Dia de semana eu estudava. Estava praticamente largando o futebol para começar a trabalhar já com meu pai – conta.
Foram cerca de dez “nãos” na adolescência que quase fizeram o menino de São Paulo desistir dos gramados precocemente. São Paulo, Palmeiras, Corinthians, Santos, Portuguesa, Juventus e Paulista foram alguns dos clubes que recusaram o atual camisa 9 da Seleção.
- Teve uma história que foi no Palmeiras. Fomos eu e mais três jogadores da minha vila. Senti que tinha ido bem, todo mundo viu: fiz gol, joguei bem. Mas eu não tinha uma pessoa que me colocasse lá dentro para poder ajudar mais, uma pessoa para, pelo menos, dar um toque: "Dá uma olhada naquele garoto" – declara Damião.
Revelado nos campos de várzea do Jardim Ângela, Damião colecionou títulos em campeonatos organizados pela subprefeitura da cidade. Com o objetivo de tirar as crianças da rua, alguns desses eventos chegavam a acolher 6.000 pessoas em um único fim de semana.
- Jogava três jogos por dia. Um na Zona Sul. Pegava o ônibus e já ia para a Zona Leste. À tarde, pegava o último das 18h para jogar. E com aqueles 90 reais - eram trinta por jogo -, você ia para o cinema com a sua namorada. Tipo, meu final de semana era tudo! – lembra o atacante.
A primeira chance
Leandro Damião do futebol de várzea
à Seleção Brasileira (Foto: AFP)
Por R$ 100 mensais, alimentação e alojamento, Damião foi para Santa Catarina para jogar pelo Quinze de Indaial. Marcado para as 16h, o encontro com o encarregado pela apresentação ao time demorou sete horas. Leandro e o pai ficaram esperando no local combinado até alguém chegar.
- Estava naquela fé, na expectativa de que ele ia aparecer, por mais que estivesse ligando pra ele toda hora. Acabou a bateria do meu celular, ia ao orelhão, ligava e nada de ele atender – conta Natalino, mais conhecido como Seu Bigode.
- Eu falei para o meu pai para irmos embora, que era o momento de ir para casa. Aí, ele: ‘"Não! Vamos ficar." Uma hora da manhã, a pessoa apareceu. E meu pai: "Eu falei para você que ele viria, moleque! Você quer ir embora? Desistir? Está louco!" Foi um momento que ficou marcado – lembra Damião.
Estava praticamente largando para trabalhar com meu pai"
Damião, sobre desistir do futebol
Contra a vontade do treinador do time, a chance veio por meio do presidente, Mauro Ovelha. Ainda assim, era preciso achar espaço dentro da equipe. Damião teria que se esforçar.
- Eu não o levava nem no banco. Ele nunca fez bico, cara feia. E treinava demais: sempre ficava mais uns quarenta e cinco minutos treinando até não ter mais ninguém no estádio – explica Giovani Nunes, técnico do clube na época.
A passagem pelo clube catarinense não foi das melhores. Com fama de perna de pau na equipe, Leandro não caiu nas graças da torcida.
Evolução
O jogador tirou das críticas um incentivo para evoluir. Após todo o esforço, em 2009, chegou aos juniores do Internacional de Porto Alegre e, logo no ano seguinte, subiu para o profissional. A consagração veio com um dos gols do título da Libertadores.
Foi o suficiente para chegar à Seleção. Vestiu o uniforme e não deixou a pressão da camisa 9, eternizada por seu ídolo Ronaldo, abalar o desempenho. Gols e lances bonitos, como uma lambreta no empate com a Argentina no Superclássico das Américas no ano passado, vêm marcando sua passagem com a amarelinha.
Leandro Damião comemora gol do Brasil contra a Suécia (Foto: Mowa Press)
Mesmo badalado, o sucesso nunca subiu à cabeça. Nada de carro extravagante, mansão ou roupas de grife. Sair para a noite, nem pensar. Damião chega a ter medo de boate.
- Minha família me criou desse jeito, ficando longe dessas coisas, porque é até perigoso. Imagine: você quer ir para a boate, chega lá e alguém te reconhece. A pessoa quer ser mais que você e acaba brigando, acaba dando algo. Na periferia, qualquer coisa que acontece tem tiro, facada. Então, eu prefiro ficar em casa.
Pai e mãe ao mesmo tempo
Por conta da ausência da mãe, Seu Bigode desempenhou dois papéis ao mesmo tempo. Ao falar de Leandro, emociona-se mais do que qualquer pessoa. A humildade é herança passada para o filho.
- Representa mais que um filho, mais que um irmão – emociona-se - Puro orgulho, não tem palavra para falar. Graças a Deus, hoje, eles não têm um vício de fumar, de beber, de balada. Eu fico muito orgulhoso de ter passado isso para eles.
Quando Leandro tinha apenas quatro anos, presenciou a separação dos pais. A mãe o levou para o Paraná, junto com os dois irmãos. Natalino foi à Justiça e conseguiu a custódia dos dois meninos. Já a filha ficou com a avó.
A criação foi recompensada. Sem mágoas, Damião dedica ao pai tudo o que conquistou até hoje.- Eu acho que não senti muita falta porque eu nem me lembro muito. Era muito pequeno. Tenho minha mãe ainda viva, eu a conheço, tive contato e tudo, mas, para mim, mãe mesmo é minha tia que me criou, minhas avós. Pessoas que me ajudaram demais. Meu pai também é mãe ao mesmo tempo – desabafa.
- Meu pai é sem palavras! É a pessoa mais especial que eu tive na minha infância, que sempre me ajudou. E quando eu puder homenageá-lo eu vou, porque ele merece. Ele batalhou por mim e hoje eu batalho por ele – agradece.